quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012
Da Duração das Obras
Algumas obras morrem porque nada valem;
estas, por morrerem logo, são natimortas
Outras têm o dia breve que lhes confere a sua expressão
de um estado de espírito passageiro ou de uma moda da sociedade;
morrem na infância.
Outras, de maior escopo, coexistem com uma época inteira do país,
em cuja língua foram escritas, e, passada essa época,
elas também passam; morrem na puberdade da fama
e não alcançam mais do que a adolescência na vida perene da glória.
Outras ainda, como exprimem coisas fundamentais da mentalidade do seu país,
ou da civilização, a que ele pertence, duram tanto
quanto dura aquela civilização;
essas alcançam a idade adulta da glória universal
Mas outras duram além da civilização, cujos sentimentos expressam.
Essas atingem aquela maturidade de vida que é tão mortal como os Deuses,
que começam mas não acabam, como acontece com o Tempo;
e estão sujeitas apenas ao mistério final que o Destino encobre para todo o sempre
Fernando Pessoa, in 'Heróstrato'
terça-feira, 28 de fevereiro de 2012
Fico Sozinho com o Universo Inteiro
Começa a haver meia-noite, e a haver sossego,
Por toda a parte das coisas sobrepostas,
Os andares vários da acumulação da vida...
Calaram o piano no terceiro andar...
Não oiço já passos no segundo andar...
No rés-do-chão o rádio está em silêncio...
Vai tudo dormir...
Fico sozinho com o universo inteiro.
Não quero ir à janela:
Se eu olhar, que de estrelas!
Que grandes silêncios maiores há no alto!
Que céu anticitadino! —
Antes, recluso,
Num desejo de não ser recluso,
Escuto ansiosamente os ruídos da rua...
Um automóvel — demasiado rápido! —
Os duplos passos em conversa falam-me...
O som de um portão que se fecha brusco dóí-me...
Vai tudo dormir...
Só eu velo, sonolentamente escutando,
Esperando
Qualquer coisa antes que durma...
Qualquer coisa.
Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa
Uma Após Uma as Ondas Apressadas
Uma Após Uma
Uma após uma as ondas apressadas
Enrolam o seu verde movimento
E chiam a alva 'spuma
No moreno das praias.
Uma após uma as nuvens vagarosas
Rasgam o seu redondo movimento
E o sol aquece o 'spaço
Do ar entre as nuvens 'scassas.
Indiferente a mim e eu a ela,
A natureza deste dia calmo
Furta pouco ao meu senso
De se esvair o tempo.
A natureza deste dia calmo
Furta pouco ao meu senso
De se esvair o tempo.
Só uma vaga pena inconsequente
Pára um momento à porta da minha alma
E após fitar-me um pouco
Passa, a sorrir de nada.
Pára um momento à porta da minha alma
E após fitar-me um pouco
Passa, a sorrir de nada.
Ricardo Reis, in "Odes"
Heterónimo de Fernando Pessoa
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012
Quando Falo com Sinceridade não sei com que Sinceridade Falo
Não sei quem sou, que alma tenho.
Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo.
Sou váriamente outro
do que um eu que não sei se existe (se é esses outros).
Sinto crenças que não tenho. Enlevam-me ânsias que repudio.
A minha perpétua atenção sobre mim
perpétuamente me ponta traições de alma
a um carácter que talvez eu não tenha,
nem ela julga que eu tenho.
Sinto-me múltiplo.
Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos
que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade
que não está em nenhuma e está em todas.
Como o panteísta se sente árvore [?] e até a flor,
eu sinto-me vários seres.
Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente,
como se o meu ser participasse de todos os homens,
incompletamente de cada [?],
por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço.
Fernando Pessoa, in 'Para a Explicação da Heteronímia'
Não sei quem sou, que alma tenho.
Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo.
Sou váriamente outro
do que um eu que não sei se existe (se é esses outros).
Sinto crenças que não tenho. Enlevam-me ânsias que repudio.
A minha perpétua atenção sobre mim
perpétuamente me ponta traições de alma
a um carácter que talvez eu não tenha,
nem ela julga que eu tenho.
Sinto-me múltiplo.
Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos
que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade
que não está em nenhuma e está em todas.
Como o panteísta se sente árvore [?] e até a flor,
eu sinto-me vários seres.
Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente,
como se o meu ser participasse de todos os homens,
incompletamente de cada [?],
por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço.
Fernando Pessoa, in 'Para a Explicação da Heteronímia'
sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012
A Arte e a Vida
A arte baseia-se na vida, porém não como matéria mas como forma.
Sendo a arte um produto directo do pensamento, é do pensamento que se serve como matéria; a forma vai buscá-la à vida.
A obra de arte é um pensamento tornado vida: um desejo realizado de si-mesmo. Como realizado tem que usar a forma da vida, que é essencialmente a realização; como realizado em si-mesmo tem que tirar de si a matéria em que realiza.
Fernando Pessoa, in 'Ricardo Reis - Prosa'
quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012
MERCADO NEGRO - AVEIRO
Situado em frente ao canal central, com vista para a ria de Aveiro, a associação cultural Mercado Negro é um dos espaços preferidos pelos noctívagos da cidade. O bar estende-se por três salas e tem uma selecção musical que foge aos sons mais comerciais. Além do bar, integra diferentes áreas: auditório, café, loja de música, livraria e loja de design/decoração. Inaugurado em Junho de 2006, o Mercado Negro assume o seu cunho alternativo e abre a porta a eventos vários, desde concertos a ciclos de cinema ou lançamento de livros. Um espaço amplo e multifuncional, que resultou da remodelação de um prédio inteiro, o número 17 da Rua João Mendonça.
(FOTO de CARDIGOS)
terça-feira, 21 de fevereiro de 2012
RECADOS DO GOETHE
"NEM TODOS OS CAMINHOS SÃO PARA TODOS OS CAMINHANTES"
"SÓ A ARTE PERMITE A REALIZAÇÃO DE TUDO
O QUE NA REALIDADE A VIDA RECUSA AO HOMEM"
"A NATUREZA E A ARTE PARECEM AFASTAR-SE,
MAS ANTES QUE O PENSEMOS JÁ ELAS SE ENCONTRARAM"
"NADA DESCREVE MELHOR O CARÁCTER DOS HOMENS
DO QUE AQUILO QUE ELES ACHAM RIDÍCULO"
"NA PLENITUDE DA FELICIDADE,
CADA DIA É UMA VIDA INTEIRA"
"ARQUITECTURA É MÚSICA PETRIFICADA"
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
EXEMPLOS DE HAIKU
"O VELHO TANQUE -
UMA RÃ MERGULHA,
BARULHO DE ÁGUA."
"SURGIRAM MUITAS NUVENS
FORMANDO UMA CERCA DE OITO VOLTAS
OITO VOLTAS CERCAM O PALÁCIO REAL."
"PINTOU ESTRELAS NO MURO
E TEVE O CÉU AO
ALCANCE DAS MÃOS."
"JÁ É PRIMAVERA
UMA COLINA SEM NOME
SOB A NÉVOA DA MANHÃ."
"BRISAS REFRESCANTES
ESGUEIRAM-SE AO SOL ARDENTE...
PENUMBRA DO TACTO..."
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012
SURPREENDER-SE É COMEÇAR A ENTENDER
É O DESPORTO E O LUXO ESPECÍFICO DO INTELECTUAL
POR ISSO O SEU GESTO GREMIAL CONSISTE EM OLHAR O MUNDO
COM OS OLHOS DILATADOS PELA ESTRANHEZA
TUDO NO MUNDO É ESTRANHO E É MARAVILHOSO
PARA UM PAR DE PUPILAS BEM ABERTAS.
ORTEGA Y GASSET, "A REBELIÃO DAS MASSAS"
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012
FOI UM MOMENTO
FOI UM MOMENTO O EM QUE POUSASTE SOBRE O MEU BRAÇO, NUM MOVIMENTO MAIS DE CANSAÇO QUE PENSAMENTO, A TUA MÃO E A RETIRASTE.
SENTI OU NÃO ?
NÃO SEI. MAS LEMBRO E SINTO AINDA QUALQUER MEMÓRIA FIXA E CORPÓREA
ONDE POUSASTE A MÃO QUE TEVE QUALQUER SENTIDO INCOMPREENDIDO.
MAS TÃO DE LEVE !...
TUDO ISTO É NADA, MAS NUMA ESTRADA COMO É A VIDA
HÁ MUITA COISA INCOMPREENDIDA...
SEI EU SE QUANDO A TUA MÃO SENTI POUSANDO SOBRE O MEU BRAÇO,
E UM POUCO, UM POUCO, NO CORAÇÃO, NÃO HOUVE UM RITMO NOVO
NO ESPAÇO ? COMO SE TU, SEM O QUERER, EM TI TOCASSES PARA
DIZER QUALQUER MISTÉRIO, SÚBITO E ETÉREO, QUE NEM SOUBESSES
QUE TINHA SER.
ASSIM A BRISA NOS RAMOS DIZ SEM O SABER UMA IMPRECISA COISA FELIZ.
FERNANDO PESSOA em "CANCIONEIRO"
1.ª SEMANA AGOSTO 2011, LAC / LAGOS
O LAC – Laboratório de Actividades Criativas é uma associação cultural sem fins lucrativos formada em 1995 e com sede na Antiga Cadeia de Lagos. O edifício projectado por Cottinelli Telmo e cujos alicerces estão edificados sobre um antigo convento, é um local com história fazendo parte integrante da história da cidade. Construído com outros objectivos, revela actualmente uma dicotomia interessante entre prisão / reclusão VS espaço de criatividade / liberdade; ao tornar-se espaço de criação reconverteu assim os moldes da sua existência, agora as celas são espaço de ateliê para artistas e a sua utilização e trabalho contribui para a revitalização do edifício, dotando-o de uma nova história. A associação é um espaço de residências artísticas com 13 anos de existência que tem como prioridade desenvolver e alargar o PRALAC – Programa de Residências Artísticas no LAC, com o objectivo principal de dinamizar e promover a criação artística na região e especialmente na zona do Sudoeste Algarvio.
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